Atualmente, elas são apenas 15% dos estudantes de Ciência da Computação e representam somente 20% dos profissionais que atuam no mercado de TI
Onde estão as mulheres na tecnologia? O gênero feminino representa 51,8% da população brasileira, mas, quando se olha para as salas de aula ou para a equipe de empresas de tecnologia, não se encontra a mesma proporcionalidade. Diferentemente de nomes como Steve Jobs e Bill Gates, os de mulheres como Ada Lovelace, primeira programadora do mundo, e Grace Hopper, considerada a mãe da linguagem de programação, não costumam fazer parte do imaginário social.
Para a cientista da computação e presidente da Fundação IMED, Márcia Capellari, há uma questão cultural, que acompanha as mulheres desde a criação, que perpetua frases como “tecnologia e programação não são coisa de menina” e, por vezes, faz com que se coloquem em dúvida e estejam menos presentes na tecnologia.
“Minha primeira aula no curso de Ciência da Computação foi de linguagem de programação, em um dia da mulher. Lembro de me virar para buscar um caderno e perceber que, em uma turma de 50, estava entre 49 homens. Comecei a questionar o lugar em que estava, mas comecei a pesquisar, buscar referências e cheguei também na área de engenharia. Percebi que nós todas trabalhamos e usamos a tecnologia. Tendo em conta que a gente opera e trabalha com isso, nós todas estamos dentro da área da tecnologia. Quando entrei na tecnologia, tinha muitas brincadeiras negativas, não desisti de acreditar na tecnologia. Encontrei uma vertente de oportunidades”, relata.
Ao lembrar que a primeira linguagem de programação foi desenvolvida por uma mulher, Márcia comenta que as mulheres sempre estiveram presentes na tecnologia e questiona porque as histórias delas não estão em evidência atualmente. “Quando a Apple criou o computador doméstico, em suas primeiras propagandas, trazia um estereótipo, um menino, que apertava várias vezes um botão e explodia com o mundo das meninas. É dessa forma que foi se considerando a existência mais masculina nesses ambientes e as mulheres foram ocupando outros espaços, mais distantes da tecnologia”, observa.
Natural do município de Sertão, no norte do Rio Grande do Sul, Isaura Koch deixou a cidade natal na adolescência para estudar, indo morar com o irmão em Passo Fundo. Entrou para o mercado de tecnologia após ingressar no programa #TeuFuturo e hoje é desenvolvedora de software na Globo e estudante de Ciência da Computação na IMED. “Tenho muito orgulho da minha trajetória, mas tenho a consciência de que muitas coisas só consegui por sorte ou por oportunidades que, eu sei, muitas meninas e mulheres não têm hoje em dia. E isso reflete dados extremamente tristes sobre a participação feminina na computação mesmo no século 21”, afirma.
Isaura faz parte de uma pequena parcela de mulheres que olham para a tecnologia como opção de carreira e que conseguem seguir na área. Isso porque elas são apenas 15% dos estudantes de Ciência da Computação e representam somente 20% dos profissionais que atuam no mercado de TI. Das mulheres que ingressam em cursos de tecnologia da informação, 79% desistem logo no primeiro ano. Além disso, 74% das meninas gostam de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, mas só 0,4% escolhem estudar ciência da computação quando adultas. Os dados pertencem a pesquisas da Sociedade Brasileira de Computação, PNAD, Women in Tech e IBGE.
“Desde que nascemos, são impostos papéis sociais de gênero para todos, mas, para nós, mulheres, é algo de que somos mais cuidadosas, somos emocionais, não somos racionais… Isso não tem embasamento científico, mas, quando nos tornamos adultas, isso nos cria bloqueios para executar determinados tipos de tarefas. E quando as meninas conseguem superar essa barreira, se deparam com ambientes empresariais e acadêmicos ainda muito misóginos. É muito comum ser vítima de machismo quando se entra para a computação, casos de meninas que são assediadas sexualmente, que a capacidade seja colocada em dúvida, isso são pontos que a gente pode e deve discutir”, defende Isaura.
Giovanna Zoppas Pierezan, desenvolvedora de software na CWI Software, empresa parceira do movimento +PraTI, e estudante de Ciência da Computação na Ufrgs, conta que é formada como Técnica em Química e já estudou Ciências Biológicas, antes de se encontrar na Computação. “Muitas pessoas me perguntam: por que programação? E eu gostaria de responder: por que não programação? Por que o mais lógico para nós é pensar em outras carreiras, na área de humanas muitas vezes, e não pensar em mulheres na tecnologia?”, argumenta.
Kathleen Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Snyder Holberton, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum são os nomes das seis programadoras do primeiro grande computador da história, o ENIAC (Electrical Numerical Integrator and Computer). “Se o nome dessas célebres mulheres foram apagados da história, imagina então nós, anônimas, que entramos em uma sala dominada por homens, com um mesmo estereótipo. Falta de representatividade… Quando a mulher não se identifica, ela não se enxerga nesse ambiente e não vê esse espaço como uma opção para ela”, pontua Giovanna.
Nos primeiros passos para ingressar na área de tecnologia, está Ana Fleischmann, que atualmente cursa o 2º ano do Colégio Militar Tiradentes de Porto Alegre. Filha de cientista da computação, diz que a curiosidade pela área cresceu após participar da Olimpíada Nacional de Desenvolvimento de Aplicativos. Como estudante do #TeuFuturo, já não consegue visualizar uma possível carreira sem a programação. “Sinto que é uma área que quero seguir carreira, seja na tecnologia ou relacionando com outras áreas, porque uma coisa que descobri é que a tecnologia tem uma variedade imensa, está na área da biologia, na música, etc”, comenta.
Às mulheres que também desejam ingressar na área ou estão no processo de aprendizagem, ela deixa algumas dicas: respeite o momento de aprendizado, desenvolva o autoconhecimento sobre como você aprende melhor e não deixe de pedir ajuda – ninguém sabe de tudo. “No #TeuFuturo, a gente tem um apoio muito grande, tanto entre os colegas como dos professores e do pessoal da parte comportamental, que nos ajudam muito para concluirmos as metas e chegarmos juntos à formatura. Sinto que consegui evoluir muito como pessoa, o programa mudou completamente minha visão do mundo, de carreira e de mercado. E sinto muita vontade de ter mais gurias aqui comigo”, afirma Ana.
O QUE FAZER PARA AMPLIAR A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA TECNOLOGIA?
– não perpetuar estereótipos,
– combater piadas e comentários misóginos,
– formação de alianças na luta feminina,
– apoiar iniciativas, programas e projetos de inclusão,
– ocupação de lugares e promoção de representatividade.
#TEUFUTURO DELAS
Com a proposta de impulsionar meninas na carreira da tecnologia, buscando um cenário científico e tecnológico mais equitativo e diverso, Isaura, que também é embaixadora #TeuFuturo, lançou o #TeuFuturo Delas. “Essa iniciativa consiste em aproximar meninas da área da programação, dando a elas apoio, informação e ferramentas para que consigam estar inseridas nesse contexto. Vamos trabalhar com posts informativos, exemplos de mulheres na ciência, dicas de tecnologia para o dia a dia, webinars mensais e bolsas especialmente para as meninas que estão entrando na computação”, explica. Siga @teufuturodelas no Instagram.
Texto: Karen Vidaleti